segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Senhor a quem iremos? Só tu tens Palavras de Vida eterna (Jo 6, 60-69)


Deus Est
O universo é matéria e energia ordenados de maneira harmônica. Toda matéria não existiria por si só da mesma forma a energia, pois carecem de uma fonte. Atribuir o existir ao nada, ao acaso...representa ignorar que houve um motor primeiro, ideia já proposta por Aristóteles.
Porém muitos insistem em afirmar a inexistência do Criador para afirmar estupidamente que o “nada” é o verdadeiro criador. Uma ideia contraditória não é mesmo? Tal afirmação visa negar a existência do criador absoluto, isto são reflexos de uma cultura que busca ser autônoma, autossuficiente e descompromissados. Ignorar que há um ser absoluto e que todas as coisas criadas por ele algum dia retornarão a ele como curso natural de sua finitude é um mecanismo de defesa humano para tentar sobrepor-se às suas limitações.  É não aceitar-se como necessitado de amparo...fraco, finito e incapaz de tudo conhecer, experimentar e dominar, portanto não autor de tudo, sendo assim mero coadjuvante dentro do espetáculo da criação.
            A incapacidade de perceber o criador se dá em virtude da ingênua petulância de querer assumir as rédeas da criação. No entanto o verdadeiro autor da vida e criador de tudo, infundiu em todas as suas criaturas lampejos de sua grandeza, garantindo à elas cores, formas e belezas singulares que nem mesmo um artista dotado de especial habilidade ousaria quiçá oniricamente criar.
Desta forma o criador quis fazer-se conhecido, tornou-se criatura de si mesmo, experimentando a limitação humana e ao mesmo tempo reafirmando a íntima ligação do criador com sua criatura, elevando-a aos patamares celestes fazendo dela “pouco menor que um Deus”. 
Tal percepção teria sido responsável por fazer o homem reclamar seu “direito” de criador? De negar sua limitação?
A liberdade garantida ao homem, doada por Deus, permite que ele escolha negar o próprio criador e dele se afastar. Como criatura de Deus somos impelidos a voltar para Ele, como riachos que correm ao mar, porém podemos desviar o curso e escolhermos assim não participar de toda a vasta realidade divina.
Por tanto quando o ser humano busca a felicidade, que não pode ser entendida como ausência de insucessos, e sim como ferramentas para aumentar sua humanidade, quando decidimos vencer vícios que nos forçam a viver de maneira intimista, quando escolhemos não viver de momentos, mas sim de atitudes edificantes e perenes, quando evitamos as comodidades, quando assumimos quem somos com nossas riquezas e misérias e não nos escondemos atrás dos pilares sociais (prestígio, dinheiro, aparência etc...) marchamos rumo ao criador, pois livres das coisas mesquinhas experimentamos a plenitude da condição humana, como outrora disseram: “ELE é tão humano, que só poderia ser Deus” (BOFF).
Portanto quanto mais elevamos nossa humanidade mais próximos de Deus estamos e a ele nos configuramos. Deus existe, e a prova desta existência é a própria humanidade que insatisfeita com sua limitação busca aperfeiçoar-se.
N. Max de Oliveira Faria
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domingo, 21 de outubro de 2012

Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos!


Homilia no início 2º ano do triênio de preparação ao Bicentenário

Ez 34,11-12.15-16.23-24.30-31; Fl 4,4-9; Mt 18,1-6.10




Caríssimos irmãos e irmãs em Jesus Cristo,
   aqui estamos reunidos, nos Becchi, no Santuário de Dom Bosco, para o início do segundo ano do triênio de preparação ao bicentenário de nascimento de Dom Bosco. Depois de empenhar-nos no ano passado em conhecê-lo mais profundamente, em amá-lo mais intensamente e em imitá-lo mais fielmente em sua absoluta entrega a Deus e em sua total dedicação aos jovens, neste ano somos convidados a contemplá-lo como educador e portanto a aprofundar, atualizar e inculturar o seu Sistema Preventivo. Depois de descobrir como Dom Bosco se sentiu enviado por Deus aos jovens – que eram para ele a sua razão de ser, a sua missão, a sua mais preciosa herança –, deveremos agora redescobrir quanto ele lhes oferecia a eles: o Evangelho da alegria através da pedagogia da bondade. Eis o seu programa educativo e o seu método pedagógico!
Mas para lho apresentar, faço-o falando em seu nome, antes, em seu lugar, como verdadeiro Sucessor de Dom Bosco:
“Sou conhecido em todo o mundo como um santo que semeou a mancheias muita alegria. Antes, como escreveu alguém que me conhecia pessoalmente, fiz da alegria cristã “o undécimo mandamento”. Convenceu-me a experiência que não é possível um trabalho educativo sem esse maravilhoso impulso, sem essa estupenda marcha a mais, que é a alegria. Estou a lhe falar da alegria verdadeira, da que nasce do coração de quem se deixa guiar por Deus. A risada fragorosa, a algazarra importuna, duram um momento; a alegria de que lhe falo vem de dentro, e permanece, porque vem de Jesus Cristo, quando O acolhemos sem reservas. Eu costumava dizer: “Seja alegre, mas sua alegria seja aquela de uma consciência limpa de pecado”. E para que os meus meninos se persuadissem disso, acrescentava: “Se quiserem que sua vida seja alegre e tranquila, devem cuidar em permanecer na graça de Deus, porque o coração do jovem que está em pecado é como um mar em contínua agitação”. Eis por que lembrava sempre que “a alegria nasce da paz do coração”. E insistia: “Eu não desejo outra coisa dos jovens senão que sejam bons e estejam sempre alegres”. Sei que alguém também disse: “Se são Francisco de Assis santificou a natureza e a pobreza, Dom Bosco santificou o trabalho e a alegria. Ele é o santo da vida cristã laboriosa e alegre”. Esta frase me agrada! E por dois motivos: primeiro porque me coloca perto de um santo simpático e sempre atual como é o estupendo jovem de Assis; segundo, porque o autor da frase captou o segredo da minha santidade: o trabalho e a alegria.
Você sabe muito bem: vivi em tempos difíceis e densos de intensas turbulências. Dizia: “São difíceis os nossos tempos? E quando o não foram? Mas Deus nunca deixou de ajudar”. A certeza na Providência de Deus explicava o meu… inoxidável otimismo. Era uma das tantas lições de vida que havia aprendido de minha mãe.
“Dom Bosco tinha por arma a bondade” – assim escreveu de mim um salesiano que era entusiasta e sábio, que conheci quando era um menino e que até confessei algumas vezes. A alegria é o meu mais simpático e concreto cartão de visita, a minha bandeira. Mas não uma das tantas.
Esperava os meus moleques aos domingos pela manhã em Valdocco. Para mim era uma festa! Vinham descendo em grande número os limpa-chaminés, os ajudantes de pedreiros, os empregadinhos de mil trabalhos. Vinham – é verdade – para brincar, pelo pãozinho com mortadela, para passar um dia diferente, mas, sobretudo – e eu o sabia – vinham porque havia um padre: um padre que lhes queria bem, que sabia gastar horas e horas para os fazer felizes.
Quero agora contar-lhe um segredo: eu nunca me considerei um educador-padre; eu era sim um padre (que havia chegado ao sacerdócio depois de anos de lutas e dores, de privações e paixão!), um padre que exercia, vivia e testemunhava o seu sacerdócio educando. Melhor ainda: tornei-me educador dos jovens porque era um padre para eles.
E já sei: alguém, por vezes, me apresenta como o eterno saltimbanco dos Becchi e pensa com isso fazer-me um grande favor. Mas é uma imagem muito redutiva do meu ideal. Os jogos, os passeios, a banda de música, as representações teatrais, as festas… – tudo isso era um meio, não um fim. O que eu queria era o que abertamente escrevia aos meus meninos: “Um só é o meu desejo: vê-los felizes no tempo e na eternidade”.
Agora V. compreenderá por que àquele maravilhoso jovenzinho que é Domingos Sávio eu lhe tivesse indicado a alegria como um caminho de autêntica santidade. E ele o havia compreendido quando explicava a um colega recém-chegado a Valdocco e que se via ainda totalmente desorientado: “Saiba que nós aqui fazemos consistir a santidade em estar muito alegres. Procuramos apenas evitar o pecado como um grande inimigo que nos rouba a graça de Deus e a paz do coração; e cumprir exatamente os nossos deveres". Esse estupendo adolescente, tão rico de graça e de bondade, nada mais fazia do que apresentar ao seu novo amigo, Camilo Gávio, a mesma caminhada de santidade juvenil que eu lhe havia proposto a ele alguns meses antes.
Desde menino, o jogo e a alegria tinham sido para mim uma forma de apostolado sério: e disso eu estava intimamente convencido. Para mim a alegria era um elemento inseparável do estudo, do trabalho e da piedade. A Francisco Besucco, outro esplêndido rapaz, do qual também escrevi uma biografia, eu tinha sugerido: “Se quiser fazer-se bom, pratique três coisas e tudo irá bem. Ei-las: alegria, estudo, piedade”.
Quando comecei Valdocco, tinha um sonho no coração: criar um clima de família para tantos jovens que estavam longe de casa por causa do trabalho ou que talvez nunca tivessem provado um gesto de verdadeiro afeto. A alegria ajudava a criar esse ambiente. Ela fazia superar as muitas angústias da pobreza e devolvia serenidade a tantos corações. Sei que um menino daqueles primeiros anos (tornou-se depois um excelente sacerdote da Igreja de Turim, um dentre os vários milhares de sacerdotes desabrochados nesta primeira casa salesiana!) recordando os anos “heroicos“, assim os descrevia: “Pensando em como se comia e dormia, agora nos maravilhamos de ter podido sobreviver numa boa, sem tanto sofrer e sequer lamentar-nos. Mas éramos felizes, vivíamos de afeto”.
Viver e transmitir alegria era uma forma de vida, uma opção consciente de pedagogia em ação. Para mim, o menino era sempre um menino, a sua exigência profunda era a alegria, a liberdade, o brinquedo. Achava normal que eu, padre para os jovens, transmitisse a eles a boa e alegre notícia contida no Evangelho. Quem possui Jesus Cristo vive na alegria. E não o teria podido fazer com rosto sombrio e modos reservados e bruscos. Os jovens deviam compreender que para mim a alegria era uma coisa tremendamente séria; que o pátio era a minha biblioteca, a minha cátedra, onde eu era a um tempo professor e aluno; que a alegria é lei fundamental da juventude.
Agora V. compreende a importância que dava à celebração das festas, tanto sacras quanto profanas: elas detinham uma enorme carga pedagógica e acabavam por falar ao coração. Valorizava o teatro, a música, o canto. Organizava nos mínimos detalhes os célebres passeios autunais. Lembro ainda como se fosse hoje: entrávamos no povoado com a banda à frente: éramos acolhidos pelos párocos, pelos ‘senhores’ do lugar que nos garantiam alojamentos de emergência e comida. Os dias ali eram intensos: visitas a personagens de respeito, celebrações pela manhã e à noite, exibições da banda musical, espetáculos em palcos improvisados na praça principal. E quantas risadas… Gargalhadas que deixavam uma lembrança de alegria serena. Mostrava aos meninos e, de tabela, aos bons camponeses, que “servir a Deus pode muito bem andar a par e passo com a honesta alegria”.
Em 1847 publiquei um livro de formação cristã – “O Jovem Instruído”. Escrevera-o roubando muitas horas ao sono. As primeiras palavras que os meus jovens liam eram: “O primeiro e principal engano com que o demônio costuma afastar os jovens da virtude é dizer-lhes que servir a Deus consiste numa vida triste e afastada de todo o divertimento e prazer. Não é assim, queridos meninos. Eu quero ensinar-lhes um método de vida cristã, que possa, ao mesmo tempo, deixá-los alegres e felizes, mostrando-lhes quais sejam os verdadeiros divertimentos e os verdadeiros prazeres… Esta é exatamente a finalidade deste livrinho: servir a Deus e estar alegres”.
Como pode ver, para mim a alegria assumia um profundo sentido religioso. No meu estilo educativo havia uma equilibrada combinação de sacro e profano, de natureza e graça. Os resultados não tardavam a aparecer, tanto que em algumas notas autobiográficas que fui quase obrigado a escrever podia afirmar:“Acostumados a essa mistura de devoção, de brinquedos, de passeios, cada um se afeiçoava muitíssimo, a tal ponto que não só eram muito obedientes às minhas ordens mas também ansiavam por que lhes desse algo a fazer”.
A experiência me havia convencido de que “um santo triste é um santo que não atrai, que não convence”.Eu falava de alegria, não de inconsciência ou superficialidade. A alegria, para mim, confluía diretamente ao otimismo, à confiança amorosa e filial num Deus providente; era uma resposta concreta ao amor com que Deus nos circunda e abraça. Era também o resultado da aceitação corajosa das duras exigências da vida. E o dizia com uma imagem: ”Ao apanhar rosas, se sabe, topa-se também com os espinhos; mas com os espinhos está sempre a rosa”.
Não me bastava que os jovens estivessem alegres; queria que eles também difundissem esse clima de festa, de entusiasmo, de amor à vida. Queria-os construtores de esperança e de alegria, missionários de outros jovens mediante o apostolado da alegria, mediante um apostolado contagiante.
E insistia: “Um pedaço de Céu acerta tudo”. E com esta expressão simples, colhida dos lábios de minha Mãe, indicava-lhes uma perspectiva que ultrapassava as fragilidades e as contingências humanas; abria uma janela para o futuro, para o eterno, ensinando-lhes que “os espinhos da vida são flores para a eternidade”.
Eis: caríssimos irmãos e irmãs, tudo quanto ansiava por partilhar com todos, hoje, para estimulá-los no empenho e na dedicação de contemplar Dom Bosco educador e de oferecer aos jovens o Evangelho da Alegria mediante a Pedagogia da Bondade.
Colle Don Bosco, 16 de agosto de 2012.
P. Pascual Chávez Villanueva SDB
Fonte: SDB.ORG

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Doe Medula Óssea


Quando um paciente necessita do transplante, realiza-se uma pesquisa de compatibilidade inicialmente entre seus familiares, colhendo amostras de sangue de seus pais e irmãos. A possibilidade de um irmão ser totalmente compatível é de 25% e entre os pais é inferior a 5%.
Se não houver possibilidade de existir um doador familiar, a alternativa é procurar um doador compatível nos registros de doadores voluntários de medula. No Brasil,o REDOME (Registro Nacional dos Doadores de Medula Óssea), instalado no INCA (Instituto Nacional do Câncer), no Rio de Janeiro, coordena a pesquisa de doadores tanto brasileiros, quanto estrangeiros.
O doador deve ter um grau de compatibilidade aceitável com o receptor/paciente. O ideal é que seja totalmente compatível, mas em certas situações, pode ser utilizado um doador com algum grau de incompatibilidade. Tudo depende da situação clínica do paciente e, consequentemente, da urgência em se realizar o transplante.
A chance de ser encontrado um doador HLA compatível varia em função das características genéticas do receptor, podendo variar de 1 para 1000 a 1 para cada 1 milhão. Por isso, seja um doador, cadastre sua medula.
O Hospital Nossa Senhora das Graças é referência internacional em Transplante de Medula Óssea (TMO). O procedimento é realizado quando a Médula Óssea doente ou deficitária é substituída por células normais de Medula Óssea, no intuito de reconstruir uma medula saudável. O transplante é indicado no tratamento de diversas doenças, não somente hematológicas, e, ainda ser realizado em crianças ou adultos.
Seja um doador de Medula Óssea

VÍDEO: 
Stronger Kelly Clarkson | Hospital Nossa Senhora das Graças 



Doe Medula Óssea!!!
Vídeo elaborado por pacientes do setor de Hematologia e Transplante de Medula Óssea do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba-PR, inspirado no vídeo das crianças do Seattle Children's Hospital.

Esta filmagem foi realizada por super-heróis se doaram por meio alegria, sonhos, esperança e fé - por um mundo repleto de amor. 

Seja um doador de medula óssea, compartilhe esta ideia!

"A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla". (David Hume)
Filmagem e edição: Voluntários Felipe Torres Gonçalves e Vicente Filizola

SAIBA COMO SE TORNAR UM DOADOR DE MEDULA ÓSSEA AQUI:http://www.hnsg.org.br/cuidadosposalta/dicas_detalhes.html?id=58#!key=doe-medula 



domingo, 14 de outubro de 2012

Quero? Devo? Posso?

A ÉTICA E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HOJE
Mario Sergio Cortella

Professor-Titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP

Ressaltemos desde o início: a ética é uma questão absolutamente humana! Só se pode falar em ética quando se fala em humano, porque a ética tem um pressuposto: a possibilidade de escolha. A ética pressupõe a possibilidade de decisão, ética pressupõe a possibilidade de opção.

É impossível falar em ética sem falar em liberdade. Quem não é livre não pode, evidentemente, ser julgado do ponto de vista da ética. Outros animais, ao menos nos parâmetros que utilizamos, agem de forma instintiva, não deliberada, sem uma consciência intencional. Cuidado. Há quem diga: “Eu queria ser livre como um pássaro”; lamento profundamente, pois pássaros não são livres, pássaros não podem não voar, pássaros não podem escolher para onde voam, pássaros são pássaros. Se você quiser ser livre, você tem de ser livre como um humano. Pensemos em algo que pode parecer extremamente horroroso: como disse Jean-Paul Sartre, nós somos condenados a ser livres.

Da liberdade, vêm as três grandes questões éticas que orientam (mas também atormentam, instigam, provocam e desafiam) as nossa escolhas: Quero? Devo? Posso? Retomemos o cerne: o exercício da ética pressupõe a noção de liberdade. Existe alguém sobre quem eu possa dizer que não tem ética? É possível falar que tal pessoa “não tem ética”? Não, é impossível. Você pode dizer que ele não tem uma ética como a tua, você pode dizer que ele tem uma ética com a qual você não concorda, mas é impossível dizer que alguém não tem ética, porque ética é exatamente o modo como ele compreende aquelas três grandes questões da vida: devo, posso, quero?

Tem coisa que eu devo mas não quero, tem coisa que eu quero mas não posso, tem coisa que eu posso mas não devo. Nessas questões, vivem os chamados dilemas éticos; todas e todos, sem exceção, temos dilemas éticos, sempre, o tempo todo: devo, posso, quero? Tem a ver com fidelidade na sua relação de casamento, tem a ver com a sua postura como motorista no trânsito; quando você pensa duas vezes se atravessa um sinal vermelho ou não, se você ocupa uma vaga quando vê à distância que alguém está dando sinal de que ele vai querer entrar; quando você vai fazer a sua declaração de Imposto de Renda; quando você vai corrigir provas de um aluno ou de um orientando seu; quando você vai cochilar depois do almoço, imaginando que tem uma pia de louça que talvez seja lavada por outra pessoa, e como você sabe que ela lava mesmo, e que se você não fizer o outro faz, você tem a grande questão ética que é: devo, posso, quero? Por exemplo, quando se fala em bioética: podemos lidar com clonagem? Podemos, sim. Devemos? Não sei. Queremos? Sim. Clonagem terapêutica, reprodutiva? É uma escolha. Posso eu fazer um transplante intervivos? Posso. Devo, quero? Tem coisa que eu devo, mas não quero; aliás, a área de Saúde, de Ciência e Medicina, é recheada desses dilemas éticos. Tem muita coisa que você quer, mas não pode, muita coisa que você deve, mas não quer.

Na pesquisa, já imaginou? Por que montamos comitês de pesquisa, por que a gente faz um curso sobre ética na pesquisa? Porque isso é complicado, e se fosse uma coisa simples, a gente não precisava fazer curso, não precisava estudar, não precisava se juntar. É complicadíssimo, porque estamos mexendo com coisas que têm a ver com a nossa capacidade de existir. Quando se pensa especialmente no campo da ética, a relação com a liberdade traz sempre o tema da decisão, da escolha. Por que estou dizendo isso? Porque não dá para admitir uma mera repetição do que disseram muitos dos generais responsáveis pelo holocausto e demais atrocidades emanadas do nazismo dos anos de 1940. Exceto um que assumiu a responsabilidade, todos usaram o mesmo argumento em relação à razão de terem feito o que fizeram. Qual foi? “Eu estava apenas cumprindo ordens”. “Estava apenas cumprindo ordens”, isso me exime da responsabilidade? Estava apenas obedecendo... Essa é uma questão séria, sabe por quê? Porque “estava apenas cumprindo ordens” implica a necessidade de pensarmos se a liberdade tem lugar ou não.

Ética tem a ver com liberdade, conhecimento tem a ver com liberdade, porque conhecimento tem a ver com ética. Por isso, se há algo que também é fundamental quando se fala em ciência, ética na pesquisa e produção do conhecimento, é a noção de integridade. A integridade é o cuidado para se manter inteiro, completo, transparente, verdadeiro, sem máscaras cínicas ou fissuras. Nessa hora, um perigo se avizinha: assumir- se individual ou coletivamente uma certa “esquizofrenia ética”. Ela desponta quando as pessoas se colocam não como inteiras, mas repartidas em funções que pareceriam externas a elas. Exemplos? “Eu por mim não faria isso, mas, como eu sou o responsável, tenho de fazê-lo”. Ora, eu não sou eu e uma função, eu sou uma inteireza, eu não sou eu e um professor, eu e um pesquisador, eu e um diretor, eu e um Secretário, eu sou um inteiro. “Eu por mim não faria”, então eu não faço!

Cautela! Coloca-se um estilhaçamento da integridade: “Eu, por mim, não lhe reprovaria, mas como eu sou seu professor, eu tenho que reprovar”; “Eu, por mim, não lhe mandaria embora, mas como eu sou seu chefe...”; “Eu, por mim, não lhe suspenderia, mas como eu sou seu superior...”; “Eu, por mim, não faria isso, mas como eu sou o contador...”; “Eu, por mim, não faria isso, mas como eu sou o responsável pelo laboratório...”.: “Eu por mim não faria”, então eu não faço; “Eu por mim não lhe reprovaria”, então não reprovo. De novo: eu não sou eu e uma função, eu não sou eu e um pesquisador, eu e um chefe do laboratório, eu e um diretor de instituto, eu e um Secretário... O esboroamento da integridade pessoal e coletiva é a incapacidade de garantir que a “casa” fique inteira, e para compreender melhor a idéia de “casa íntegra”, vale fazer um breve passeio pelas palavras. Talvez as pessoas que estudaram um pouco de etimologia se lembrem que a palavra ética vem pra nós do grego ethos, mas ethos, em grego, até o século VI a. C., significava morada do humano, no sentido de caráter ou modo de vida habitual, ou seja, o nosso lugar. Ethos é aquilo que nos abriga, aquilo que nos dá identidade, aquilo que nos torna o que somos, porque a sua casa é o modo como você é, onde está a sua marca. Mais tarde, esse termo para designar também o espaço físico foi substituído por oikos. Aliás, o conhecimento mais valorizado na sociedade grega era o que cuidava das regras da casa, para a gente poder viver bem e para deixar a casa em ordem. Como o vocábulo nomos signifi ca “regra” ou “norma”, passou-se a ter a oikos nomos (a economia) como a principal ciência. No entanto, a noção original de ethos não se perdeu, pois os latinos a traduziram pela expressão more, ou mor, que acabou gerando pra nós também uma dupla concepção; uma delas é “morada”, e a outra, que vai ser usada em latim, é o lugar onde você morava, o seu habitus. Olha só, a expressão “o hábito faz o monge” não tem a ver com a roupa dele, habitus; habitus é exatamente onde nós vivemos, o nosso lugar, a nossa habitação.

Quando se pensa em ética e produção do conhecimento hoje, a grande questão é: como está a nossa possibilidade de sustentar a nossa integridade; essa integridade, como se coloca? A integridade da vida individual e coletiva, a integridade daquilo que é mais importante, porque uma casa, ethos, tal como colocamos, é aquela que precisa ficar inteira, é aquela que precisa ser preservada. Como está a morada do humano? Essa morada do humano desabriga alguém? Alguém está fora da casa, alguém está sem comer dentro dessa casa? Alguém está sem proteção à sua saúde, alguém está sem lazer dentro dessa casa? Essa morada do humano é inclusiva ou é exclusiva? Essa morada do humano lida com a noção de qualidade em ciência, ou lida com a noção de privilégio? Cuidado. Duas coisas que se confundem muito em ciência são qualidade e privilégio; qualidade tem a ver com quantidade total, qualidade é uma noção social, qualidade social só é representada por quantidade total. Qualidade sem quantidade não é qualidade, é privilégio. São Paulo é uma cidade em que se come muito bem, é verdade; quem come, quem come o quê? Qualidade sem quantidade total não é qualidade, é privilégio. Todas as vezes em que se discute essa temática, aparece a noção de uma qualidade restrita, e qualidade restrita, reforcemos, é privilégio. Nesse sentido, a grande questão volta: será que, na morada do humano, alguém está desabrigado? Será que essa casa está inteira, ela está em ordem nessa condição? Nessa nossa casa, quando a gente fala em cuidado, é o mesmo que falar em saúde; aliás, quando digo: “eu te saúdo”, ou, “queria fazer aqui uma saudação”, etimologicamente é a mesma coisa. Saudar é procurar espalhar a possibilidade de cuidado, de atenção, de proteção. Nossa casa, que casa é essa? Há nela saúde? A ética é a morada do humano; como essa casa é protegida? Qual é o lugar da ciência dentro dela? Qual é o papel que ela desempenha? Qual é a nossa tarefa nisso, para pensar exatamente aquelas três questões: posso, devo, quero?

É claro que essas questões e suas respostas não são absolutas, elas não são fechadas, elas são históricas, sociais e culturais. A mesma pergunta não seria feita do mesmo modo há vinte anos; a grande questão no nosso país há cento e cinqüenta anos, a grande questão ética há cento e cinqüenta anos era se eu podia açoitar um escravo e depois cuidar dele, ou só açoitá-lo e deixá-lo pra ser cuidado pelos outros; se eu poderia extrair o dente de alguém, se é mais recomendável para o dentista que ele faça a extração ou que ele tente o tratamento. Há alguns anos, algumas décadas, uma discussão de natureza ética era algo que nem passaria pela cabeça de um dentista. A pessoa chegava ao seu consultório e dizia: “Eu quero que o senhor arranque todos os meus dentes”. Ele respondia: “Tá bom”; hoje, você tem outra questão. O mesmo vale em relação ao uso de contraceptivos ou à legalização do aborto consentido, ou ainda sobre a separação entre princípios religiosos e conduta científica. Quando se pensa na manutenção da integridade, do devo, posso e quero, a grande questão, junto com essa tríade, é se estamos dirigindo, como critério último, a proteção da morada do humano, da morada coletiva do humano. Afinal de contas, não somos humanos e humanas individualmente, pois só o somos coletivamente. Fala-se muito em vivência, quando referimos a vida humana; no entanto, o mais correto seria sempre dizer convivência, pois ser humano é ser junto. Desse modo, a noção de ethos, a noção de morada do humano, oferece um critério para responder ao posso, devo e quero, que é: protejo eu a morada ou desprotejo? Incluo ou excluo? Vitimo ou cuido?

Em um livro delicioso e de complexa leitura, Ética da Libertação, Enrique Dussel escreve sobre um percurso da história da ética dentro do mundo. Começa exatamente mostrando o lugar que a reflexão ética ocupa na história humana, mas conclui com algo que alguns até achariam curioso, hoje: ele não aceita a noção do termo exclusão, ou falar em excluídos, porque acha que a noção de excluído é muito pequena e insuficiente. Dussel, ao pensar a Ética e os processos sociais, econômicos e culturais, trabalha com a noção de vítimas: as vítimas do sistema, as vítimas da estrutura. Pensa ele que, quando se fala em excluído, dá-se a impressão de que é uma coisa um pouco marginal, lateral, enquanto vitimação é uma idéia mais robusta e incisiva. A principal virtude ética nos nossos tempos, para poder manter a integridade e cuidar da casa, da morada do humano, é a incapacidade de desistir, é evitar o apodrecimento da esperança, é evitar aquilo que padre Antonio Vieira apontou, no começou de um de seus Sermões, da seguinte maneira: “O peixe apodrece pela cabeça”. Já viu um peixe apodrecer? Tal como algumas pessoas, ele apodrece da cabeça para o resto do corpo... Um olhar sobre a ética em ciência e na pesquisa tem uma finalidade: manter a nossa vitalidade, manter a nossa vitalidade ética, mostrar que nós estamos preocupadas e preocupados, que a gente não se conforma com a objetividade tacanha das coisas, que a gente não acha que as coisas são como são e não podem ser de outro modo, que a gente não se rende ao que parece ser imbatível.

Ser humano é ser capaz de dizer não, ser humano é ser capaz de recusar o que parece não ter alternativa, ser humano é ser capaz de afastar o que parece sem saída. Ser humano é ser capaz de dizer não, e só quem é capaz de dizer não pode dizer sim; aí está a nossa liberdade. Tem gente que diz assim: “Ah, a minha liberdade acaba quando começa a do outro”; cuidado, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Liberdade, como saúde, tem de ser um conceito coletivo, a minha liberdade não acaba quando começa a do outro, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Se algum humano não for livre, ninguém é livre, se algum homem ou mulher não for livre da falta de trabalho, ninguém é livre; se algum homem ou mulher não for livre da falta de socorro, de saúde, ninguém é livre; se alguma criança não for livre da falta de escola, ninguém é livre; a minha liberdade não acaba quando começa a do outro, minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Ser humano é ser junto, e é em relação a isso que vale pensarmos nossa capacidade de dizer não a tudo que vitima e sermos capazes de proteger o que eleva a Vida. O vínculo da Ética com a Produção do Conhecimento está relacionado à capacidade deste de cuidar daquela, isto é, manter a integridade digna da vida coletiva. Ética é a possibilidade de recusar a falência da liberdade, a ética é a nossa capacidade de recusar a idéia de que alguns cabem na nossa casa, outros não cabem; alguns comem, outros não comem; alguns têm graça, outros têm desgraça.

A ética é o exercício do nosso modo de perceber como é que nós existimos coletivamente, e então pensar com seriedade naquilo que François Rabelais vaticinou: “Conheço muitos que não puderam, quando deviam, porque não quiseram, quando podiam”.

 Fonte: Professores PUC SP



Vídeo: Eu Maior
Vale a pena ver!!!








segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Vida Religiosa


A Vida religiosa e a Secularização
A vida religiosa se encontra hoje submetida a notáveis influências. Destas, em particular, duas me parecem merecedoras de especial atenção.
A primeira é a secularização. Um fenômeno histórico nascido na França em meados do século XVIII, que investiu sobre todas as sociedades que almejavam entrar na modernidade.
A segunda trata-se da abertura ao mundo, justamente proclamada pelo Concílio Vaticano II, a qual foi interpretada, sob a pressão das ideologias do momento, como uma passagem necessária para a secularização.
De fato, nos últimos cinquenta anos, assistimos a uma formidável iniciativa de auto-secularização interna da Igreja. Exemplos não faltam: os cristãos estão prontos a empenhar-se em serviço da paz, da justiça e das causas humanitárias, mas creem ainda na vida eterna? As nossas Igrejas colocaram em ato um imenso esforço para renovar a catequese, mas esta mesma catequese fala ainda da escatologia, da vida após a morte? As nossas Igrejas se empenharam na maior parte dos debates éticos do momento, mas discutem sobre o pecado, sobre a graça e sobre as virtudes teologais? As nossas Igrejas recorreram ao melhor do próprio engenho para melhorar a participação dos fiéis na liturgia, mas esta última não perdeu, em grande parte, o senso do sacral, a bem dizer aquele sabor de eternidade?
A nossa geração, talvez sem dar-se conta, não sonhou com uma “Igreja dos puros”, colocando suspeitas contra qualquer manifestação de devoção popular?
Que fim teve, em tal contexto, aquela vida religiosa que era apresentada na forma tradicional, como um sinal escatológico e uma antecipação do Reino futuro? De fato, religiosos e religiosas sem demora abandonaram o hábito da própria família espiritual para vestir-se como todos os outros. Rapidamente abandonaram os próprios conventos, julgando-os demasiado vistosos ou ricos, em troca de pequenas comunidades esparsas em cidades ou nos grandes conglomerados urbanos. Escolheram trabalhos profanos, empenharam-se na atividade social e caritativa, ou ingressaram no serviço de causas humanitárias. Fizeram-se semelhantes aos outros e se fundiram na massa, às vezes para ser o fermento, mas também, em muitos casos, porque tal procedimento correspondia ao clima dos tempos.
Não devemos subestimar os méritos de tais impostações nem os benefícios que deles recolhe a Igreja ainda hoje. Aqueles religiosos e religiosas, de fato, fizeram-se mais próximos às pessoas e, em particular, aos mais desprivilegiados, mostrando uma face da Igreja mais humilde e fraterna. Não obstante, esta forma de vida religiosa não parece haver mais futuro, pois quase não atrai mais vocações.
A quase totalidade das congregações ativas nascidas no século XIX ou no início do XX se encontra como que ferida de morte, e seu desaparecimento é somente uma questão de tempo.
As casas generalícias e os grandes conventos são transformados em casas de repouso para anciãos. Entre 1973 e 1985, 268 congregações francesas das 369 existentes fecharam o próprio noviciado. A situação atual não fez que piorar. A auto-secularização minou os fundamentos da vida religiosa. A crise atingiu sobretudo as formas de vida ativa, e menos aquelas contemplativas, porque a secularização orientou tudo aquilo que é religioso em direção à militância ou ao empenho social.
É de notar-se que o militante ou a pessoa empenhada na atividade social permanece leigo. Eis a segunda tipologia de pressão exercida sobre a vida religiosa. Para enfrentar o convite da secularização, o Concílio teve a genial intuição de confiar esta missão aos leigos. Se eles que possuem a sorte de serem os protagonistas da sociedade secular, não serão porventura os mais apropriados para realizar tal dever? O Vaticano II valorizou a vocação dos leigos – não digo que a revalorizou, pois uma similar empresa não houve lugar no passado. Todavia, realmente a valorização do laicato provocou um tipo de quebramento da vida religiosa “ativa”.
Se esta última, de fato, reconheceu há tempos a própria identificação com um serviço específico oferecido à Igreja e à sociedade – como o ensino nas escolas ou o cuidado dos doentes nos hospitais – com o chamado dos leigos a executarem tais serviços e a se dedicarem, a vida religiosa ativa perdia sua razão de ser.
Hoje, não é mais necessário passar por uma consagração para executar os mesmos serviços. Quando nos encontramos em presença de uma mestra que ensina com paixão ou de uma enfermeira serviçal realmente decidida em ter uma vida autenticamente cristã, podemos perguntar-se se a mesma senhora, há cem ou cento e cinquenta anos, não se haveria apresentado diante da porta de uma daquelas recém nascidas congregações que evocamos há pouco?
Isto nos conduz à seguinte conclusão: hoje, mais do que nunca, a vida religiosa não pode ser definida partindo de uma “função”, mas sim de um modo de ser e de um estilo de vida. Os dois riscos que acabamos de descrever em forma sintética constituem um perigo para a vida religiosa. Sua combinação provoca nesta última um tipo de implosão. Em consequência, a situação atual da vida religiosa, sobretudo nas Igrejas ocidentais, se apresenta em modo paradoxal. De um lado, após o Concílio, gozamos das vantagens de uma importante renovação da teologia da vida religiosa. De outra, assistimos ao colapso de numerosas congregações, assim como a um florescimento de novas formas de vida religiosa na primeira metade dos anos setenta.
Este caráter paradoxal nos convida então a retornar ao essencial. A começar do fato que a vida religiosa é única na sua essência, porém variada em suas formas. Em outros termos, estas múltiplas facetas nasceram todas de um tronco comum: da vida e da tradição monástica. Em consequência, a primeira dimensão é mística: a vida religiosa nos imerge no mistério da morte e da ressurreição de Cristo. Portanto, é um erro definir um instituto a partir da sua atividade tal como foram concebidas as congregações nascidas nos dois últimos séculos.
Este chamado a estar com o Senhor é transmitido a cada pessoa, pois toda vocação é muito personalizada e não existem dois percursos que são verdadeiramente similares. Todavia, este chamado convida a unir-se a uma comunidade específica. Alguns experimentam um choque nos confrontos de uma comunitária, mas não lhes vem à mente a ideia de bater em outra porta. Outros, ao contrário, se concedem um longo tempo de reflexão, durante o qual fazem o giro de muitas casas e se dedicam a estudos comparativos muito acurados. Em cada época há matrimônios de amor e matrimônios de razão. Aquele que é certo, porém, é que a atração é sempre ligada à vida comunitária. Em efeito, o código de direito canônico define a vida religiosa como uma vida essencialmente comunitária. E esta vida comunitária é eminentemente espiritual na medida em que é o Espírito Santo que a anima e conduz. Podemos então deduzir que a fé dada pelo Espírito representa a chave de leitura de todos os elementos que constituem a vida religiosa, a começar pelos votos e pela oração.
Neste sentido, a pobreza religiosa não é um conceito sociológico. Não é constituída para dar o exemplo da pobreza. A palavra mesma não se identifica senão em época mais tardia; primeiramente, se falava de “sine proprio”, ou ainda de “communio”, termos muito mais sugestivos. Logo, o voto religioso corresponde a um ato de fé por meio do qual o religioso aceita aquele dom do Espírito que o estimula a não ter nada para si, a fim de viver de modo mais intenso possível a sua comunhão com a vida fraterna.
Do mesmo modo, a obediência religiosa não é “in primis” de natureza ascética ou pedagógica. Indubitavelmente, pressupõe uma ascese na medida em que implica uma certa renúncia à própria vontade. Apresenta, ademais, uma dimensão pedagógica, na medida em que visa a educar em nós a liberdade dos filhos de Deus. A sua natureza, porém, é essencialmente mística: faz-nos entrar em um sistema no qual quem ordena é o Espírito. A fé nos leva a afirmar que a ordem dada não vem antes de tudo pela vontade do superior – ainda que possua a marca da sua psicologia, e talvez da sua patologia – mas sim, dada pelo Espírito, do qual o superior é, em certo sentido, o representante visível. Neste ponto, deixamos de comportar-nos como simples entidade para tornar-nos um corpo fraterno.
Também entre o amor humano e a castidade religiosa – apesar de possuírem diversos pontos em comum – há uma diferença essencial. O amor humano comporta uma escolha, uma conquista, e se apresenta como um amor de exclusão: escolher uma esposa específica comporta renunciar a todas as outras. Ora, contrariamente às aparências de que a escolha de tornarmo-nos carmelitas ou dominicanos origina-se em uma iniciativa pessoal, a vida religiosa não é uma opção, pois nos encontramos envolvidos nesta vida sob o impulso do Espírito. Para cada um de nós, seria impossível permanecer fiéis às promessas de nosso batismo fora da vida religiosa. Nesta última, não existe alguma conquista nem alguma exclusão: o Espírito nos faz partícipes de uma comunidade de acolhida, na qual todos devem descobrir a viver como irmãos.
Finalmente, é na fé dada pelo Espírito que vivemos a oração, não como uma atividade como as outras, ou apenas uma atividade a mais, nem como uma ameaça para as diversas atividades implicadas pelos estilos de vida – todos nós conhecemos bem aquela tensão entre o nosso trabalho e o tempo dedicado à oração, que equivale muitas vezes a um tempo restrito. No simbolismo monástico, o claustro ou a abertura ao Espírito representa o ligame entre a Igreja, lugar de oração (Opus Dei), e os diversos lugares de trabalho (opus hominis), como uma escola na qual aprendemos a descobrir um “mendicante do Senhor”.
Dom Jean-Louis Bruguès
Secretário da Congregação para a Educação Católica

(Tradução de artigo publicado no L’Osservatore Romano – 20 outubro de 2010)